Adeus aos milagres de crescimento - Valor Econômico, 16/08/2012.
Por Dani Rodrik
Um
ano atrás, os analistas econômicos estavam atordoados de otimismo sobre as
perspectivas de crescimento econômico no mundo em desenvolvimento. Em contraste
frente aos EUA e a Europa, onde as perspectivas de crescimento pareciam fracas,
na melhor das hipóteses, esperava-se que os mercados emergentes sustentassem
seu forte desempenho iniciado na década anterior à crise financeira mundial e,
assim, se tornassem o motor da economia mundial.
Os
economistas do Citigroup, por exemplo, ousadamente concluíram que as
circunstâncias nunca tinham sido tão favoráveis a um crescimento amplo e
sustentado em todo o mundo, e projetaram uma crescente e rápida produção
mundial até 2050, puxada pelos países em desenvolvimento na Ásia e na África. A
PwC, firma de contabilidade e consultoria previu que o crescimento do PIB per
capita na China, na Índia e na Nigéria ultrapassaria 4,5% até meados do século.
A empresa de consultoria McKinsey & Company batizou a África, há muito
tempo sinônimo de fracasso econômico, de terra dos "leões em
movimento".
Hoje,
essa conversa foi substituída pela preocupação com o que "The
Economist" chama de "a grande desaceleração". Recentes dados
econômicos sobre a China, a Índia, o Brasil e a Turquia apontam para um
desempenho mais fraco do crescimento nesses países nos últimos anos. O otimismo
deu lugar à dúvida.
Daqui para a frente o
crescimento terá de se basear em grau bem maior na melhoria sustentada do
capital humano, das instituições e de governança. E isso significa que o
crescimento continuará a ser lento e difícil, na melhor das hipóteses.
Evidentemente,
assim como foi inadequado extrapolar a partir da década anterior de forte
crescimento, não deveríamos tirar grandes conclusões a partir de flutuações de
curto prazo. Apesar disso, existem fortes razões para acreditar que o
crescimento rápido será exceção, e não regra, nas próximas décadas.
Para
ver o porquê disso, precisamos entender como são produzidos "milagres de
crescimento". Com exceção de um punhado de pequenos países que se
beneficiaram de uma abundância de recursos naturais, todas as economias
bem-sucedidas nas últimas seis décadas devem seu crescimento à industrialização
rápida. Se há uma coisa com a qual todos concordam sobre a receita do Leste
Asiático é que o Japão, Coreia do Sul, Cingapura, Taiwan e, é claro, a China,
foram, todos, excepcionalmente bons em transferir sua mão de obra rural (ou de
atividades informais) para a indústria de transformação organizada. Casos
anteriores de êxito em tirar países de atraso econômico, como os EUA ou a
Alemanha, não foram diferentes.
O
setor de manufatura permite rápido avanço porque é relativamente fácil copiar e
implementar tecnologias de produção estrangeiras, mesmo em países pobres que
sofrem de diversas carências. É notável, como revelam minhas pesquisas, que as
indústrias de transformação tendem a estreitar a distância em relação à fronteira
tecnológica à taxa de cerca de 3% ao ano, independentemente de políticas
econômicas, instituições ou fatores geográficos. Em consequência, os países
capazes de transformar agricultores em operários colhem um enorme benefício em
termos de crescimento.
Sem
dúvida, algumas atividades de serviços modernas são também capazes de produzir
convergência de produtividade. Mas a maioria desses serviços requer uma grande
variedade de habilidades e capacitação institucional que as economias em
desenvolvimento acumulam apenas gradualmente. Um país pobre pode competir
facilmente com a Suécia em um amplo leque de manufaturas, mas são necessárias
muitas décadas, se não séculos, para desenvolver instituições como as suecas.
Consideremos
a Índia, que demonstra as limitações de apoiar-se em serviços, em vez de
basear-se na indústria, durante os primeiros estágios de desenvolvimento. O
país tem desenvolvido uma capacitação notável em serviços de TI, mas a maioria
da força de trabalho indiana não tem as habilidades e a educação para ser
absorvida nesses setores. No leste asiático, o trabalhador não qualificado foi
trabalhar em fábricas urbanas, ganhando muito mais do que ganhavam no campo. Na
Índia, eles permanecem na terra ou transferem-se para serviços triviais onde a
produtividade não é muito maior.
Desenvolvimento
bem-sucedido em longo prazo, portanto, requer esforço em duas frentes. Isso
requer um esforço de industrialização, acompanhado pelo acúmulo incessante de
capital humano e de capacitação institucional para manter um crescimento
centrado em serviços, depois que a industrialização atinge seus limites.
Mas
essa receita testada pelo tempo tornou-se muito menos eficaz, nos dias de hoje,
devido às mudanças nas tecnologias de manufatura e no contexto mundial.
Primeiro, os avanços tecnológicos tornaram a indústria de transformação muito
mais intensiva em habilidades e capital do que no passado, mesmo na região de
baixa qualidade do espectro. Em consequência, a capacidade da indústria de
absorver mão de obra tornou-se bem mais limitada. Será impossível, para a
próxima geração de países industrializados, deslocar 25% ou mais de sua força
de trabalho para atividades de manufatura, como fizeram as economias do Leste
Asiático.
Em
segundo lugar, a globalização, em geral, e a ascensão da China, em particular,
acirraram muito a competição nos mercados mundiais, tornando difícil, para os
recém-chegados, abrir espaço para si mesmos. Embora a mão de obra chinesa
esteja encarecendo, a China continua a ser um competidor formidável para
qualquer país que esteja tentando concorrer no setor de manufatura.
Além
disso, é improvável que os países ricos sejam tão permissivos diante de
políticas de industrialização como no passado. Os formuladores de políticas no
núcleo industrial fecharam os olhos para o fato de países de crescimento rápido
no Leste Asiático adquirirem tecnologias e capacitação industrial ocidental por
meio de políticas não ortodoxas.
Agora,
porém, quando os países ricos estão em dificuldades, eles aplicarão maior
pressão sobre os países em desenvolvimento para que cumpram as regras da
Organização Mundial do Comércio. A manutenção de moedas em patamares
desvalorizados não passará despercebida. Politicamente, será difícil resistir à
adoção de protecionismo, mesmo que de forma não ostensiva,.
A
indústria de transformação continuará sendo a "escada rolante
industrial" dos países pobres, mas ela não funcionará tão rapidamente nem
irá tão alto. O crescimento terá de se basear em grau bem maior na melhoria
sustentada do capital humano, das instituições e de governança. E isso
significa que o crescimento continuará a ser lento e difícil, na melhor das
hipóteses. (Tradução de Sergio Blum)
Dani Rodrik professor de Economia Política Internacional na
Universidade de Harvard, é autor de "The Globalization Paradox: Democracy
and the Future of the World Economy. Copyright: Project Syndicate, 2012.
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